Estudo de Caso 26

L.S.S., 10 anos de idade, tem apresentado há aproximadamente oito dias quadro de febre alta, acompanhada de tosse seca e cansaço; foi medicada com sulfametoxazol trimetropim (Bactrim), sem melhora. A mãe relata que a criança é bastante afeiçoada a animais domésticos, cães e gatos. O exame físico mostrou criança febril, eupneica (com respiração normal), hidratada. Pulmões com roncos bilaterais, abdome flácido sem visceromegalia. Foi admitida com hipótese de pneumonia. Exames complementares: RX tórax: infiltrado pulmonar bilateral. O hemograma mostrou valores normais para eritrócitos (4.680.000/mm3), hematócrito (44%) e hemoglobina (13,8 g%), enquanto houve aumento do número total de leucócitos (32.500/mm3) e 54% de eosinófilos. O exame parasitológico de fezes foi negativo. A criança foi medicada inicialmente com penicilina de 12/12 h permanecendo sintomática. Com a persistência do quadro febril e respiratório por 72 h, foi alterada a prescrição para outro antibiótico, cefalotina de 6/6 h. Não havendo melhora, foram realizados dois hemogramas com diferença de 3 dias entre eles que revelaram a série vermelha normal e série branca com aumento de leucócitos (71.300/42.000 por mm3) e 81/75% de eosinófilos. Título de anticorpos anti-Toxocara (Reação de ELISA) > 1:5120. A criança foi medicada com albendazol 400 mg/dia durante 3 dias e houve melhora clínica, cessando a febre, quadro respiratório e tosse e no 4º dia o paciente recebeu alta. Examinado uma semana após a alta o pulmão se apresentava limpo e sem tosse.

Diante o quadro apresentado pela criança, pergunta-se:

a) Quais os exames realizados que indicaram que a criança era portadora de uma verminose?

b) Entre as verminoses que podem afetar os pulmões, como foi feito o diagnóstico diferencial?

c) Como a criança adquiriu a doença?

d) Qual forma do parasita é responsável pela doença?

e) Por que o exame de fezes foi negativo?

f) Quais seriam as principais medidas profiláticas dessa parasitose?


Adaptado de: Campos et al., Larva migrans visceral - relato de três casos (1990), Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 23 n. 2, p. 117-120,

Respostas

a) Quais os exames realizados que indicaram que a criança era portadora de uma verminose? O hemograma mostrou eosinofilia que é característica das verminoses. No caso de larva migrans visceral (LMV) ou toxocaríase os sinais do hemograma mais constantes são leucocitose (entre 12.000 e 100.000 leucócitos/mm3) e eosinofilia (entre 14 e 80%). Nos casos com febre e manifestações pulmonares (tosse, infiltração pulmonar confirmada pela radiologia) há hipereosinofilia, como a apresentada pela criança (54, 81 e 75% de eosinófilos).

b) Entre as verminoses que podem afetar os pulmões, como foi feito o diagnóstico diferencial? Outras verminoses que apresentam quadros com infiltração pulmonar confirmada pela radiologia, denominada síndrome de Loeffler, são ascaridíase, ancilostomíase e estrongiloidíase. Nessas parasitoses o exame parasitológico de fezes é o método de escolha de diagnóstico, pois há liberação de ovos nas fezes na ascaridíase e ancilostomose e de larvas rabditoides na estrongiloidíase. Na toxocaríase o exame de fezes é negativo, como descrito no caso apresentado, pois somente as larvas de Toxocara se desenvolvem no homem. Além disso, o diagnóstico diferencial é feito por sorologia, pois diferente das outras verminoses citadas, na LMV os testes sorológicos são bem sensíveis e específicos, como mostrado no resultado da sorologia por ELISA (> 1:5120).

c) Como a criança adquiriu a doença? A LMV é adquirida pela ingestão de ovos de Toxocara canis liberados nas fezes do cão e eventualmente nas fezes do gato. A mãe relatou que a criança é bastante afeiçoada a cães e gatos. Provavelmente ela se infectou ingerindo os ovos liberados nas fezes desses animais, ao brincar com eles e levar a mão à boca ou mesmo por contato com o solo infectado com os ovos eliminados nas fezes desses animais.

d) Qual forma do parasita é responsável pela doença? São as formas larvárias (L3) liberadas no intestino delgado do homem após a eclosão dos ovos. Elas invadem a mucosa do intestino e podem entrar na circulação venosa, sendo levadas para o fígado ou podem entrar nos vasos linfáticos que as transportam diretamente ao coração direito e aos pulmões. O homem é um dos hospedeiros anormais de Toxocara, assim as larvas não sofrem ecdises nem crescem, mas vivem durante semanas ou meses, sempre na fase L3. Os órgãos mais afetados pelo parasitismo por ordem de frequência são o fígado, os pulmões, o cérebro, os olhos e os linfonodos. Nos capilares do fígado e menos vezes nos dos outros órgãos as larvas são retidas pela reação inflamatória e impedidas de prosseguir em sua migração.

e) Por que o exame de fezes foi negativo? Como descrito na resposta à pergunta anterior, o homem é um dos hospedeiros anormais de Toxocara, assim as larvas L3 não evoluirão para vermes adultos machos e fêmeas e consequentemente não haverá eliminação de ovos desse verme em fezes humanas.

f) Quais seriam as principais medidas profiláticas dessa parasitose? Impedir o acesso de cães e gatos às praias, aos tanques de areia de escolas e parques infantis mediante telagem adequada ao local. Tratamento de cães e gatos com anti-helmínticos e destinação adequada de suas fezes. Redução das populações de cães e gatos errantes.